terça-feira, 3 de março de 2009

O que te leva ao teu passado?

Dia desses tive de atravessar o centro da cidade à pé durante o horário de almoço a fim de resolver um assuntinho pessoal. Trabalho no lado do centro conhecido como "centro cultural" - onde ficam a CCMQ, os museus, cinemas e algumas grandes empresas - e para chegar até o centro popular é preciso atravessar um largo famosíssimo na cidade pela diversidade de manifestações culturais que reúne.

Pois bem, enquanto passava pelo largo na frente do Mercado Público, passei a observar o pastor evangélico que pregava munido de uma Bíblia em uma mão e um microfone na outra; os já conhecidos índios que para mim parecem ter saído de um filme americano de faroeste (ninguém me tira da cabeça que são índios apaches, com aqueles cocares imensos!) tocando suas flautas; os vendedores ambulantes cegos que vendem bilhetes de loteria; os meninos de rua à espreita de um passante distraído para bater-lhe a carteira...

Entretanto o que me chamou a atenção efetivamente foi um casal de velhinhos pilchados, onde o senhor puxava sua gaita com muita destreza e a esposa cantava em alto e bom som, sem microfone nem nada, uma música gaúcha muito antiga. Enquanto eu ia caminhando a melodia ia me acompanhando, trazendo uma sensação ao mesmo tempo muito estranha e extremamente boa: sensação de volta pra casa!

Há muitos anos tenho vivido em um universo mais hightech, globalizado, corporativo, underground, electrorock. Vivo em um bairro assumidamente boêmio e universitário, tenho visto cada vez menos minha família, conheci muita gente e alguns lugares que sonhava ver de perto e, principalmente, passei a ouvir o ponto de vista de várias tribos (e absorver aqueles com os quais me identifiquei). No meio desse turbilhão de novos conceitos é fácil perder as origens. Não me diga você que mantém suas convicções intactas mesmo em um cenário como o que descrevi. É humanamente impossível não ser moldado pelo universo onde se imergiu! E seria um defeito, inclusive, pois toda teimosia exagerada é na verdade um escudo contra o mundo. Não devemos nos defender do mundo, e sim vivê-lo!

Mas voltando aos velhinhos do largo do Mercado e à sensação que me provocaram, o que quero dizer é que ouvir o gaitaço meio melancólico me fez lembrar da infância em família (que veio da serra e vivia junto ao campo, totalmente interiorana).
As brincadeiras com os primos quase sempre tinham como trilha sonora a vanera e a milonga que tocava no radinho dos meus tios. Sempre alguns casais arrastavam as cadeiras para dançar e fazia-se o arrasta-pé, com uma churrascada forte garantida pelos homens da casa. E as nossas brincadeiras eram correndo na rua, jogando bola, empurrando carrinho de rolimã, arco e flecha (não, eu não gostava muito de brincadeiras de menina e acho que isso explica o porquê de eu me dar tão bem trabalhando com homens hoje).
Enfim, era uma infância simples, prazerosa, animada e bem bairrista. Bem diferente da vidinha adulta e diferente também do rumo que os outros integrantes da família tomaram.
Eles de modo geral seguiram o caminho da geração passada: poucos estudaram, a maioria vive de serviços, casaram cedo, tiveram filhos antes do que deveriam, muitos não conhecem nada que esteja além do rio Mampituba ou do Chuí. Se não tivesse feito as escolhas certas através da influência certa das pessoas certas, eu poderia ter trilhado o mesmo caminho limitado.

Por isso agradeço a uma amiga do passado que me carregou para um curso técnico de gestão onde só fiz um semestre (histórias inacabadas, lembram?) mas onde conheci um amigo-rolinho que me pilhou a estudar Sistemas de Informação, onde fiz muitos dos amigos que trago comigo até hoje e que definiu minha carreira. E a lista de agradecimentos seria bem mais longa, se esse fosse o objetivo do post. Os acontecimentos foram encadeados e recheados de pessoas essenciais no processo.

De toda forma sou grata a todos (Todos, com letra maiúscula e divina) por ter chegado até aqui. Não posso agradecer pelo futuro que vislumbro porque simplesmente tenho um bloqueio e não sei projetá-lo, mas também sou grata aos velhinhos do centro da cidade pelo momento nostálgico que me proporcionaram. E por me fazerem ver que essas lembranças são boas, mas são de um passado do qual me libertei. Um passado que não me pertence mais.

4 comentários:

  1. Bah, mas não esquece que os índios que tu viu na praça do mercado são os mesmos índios que tu viu na praça da alfândega e os mesmos que tu veria no alto da Rua da Praia.
    Estes índios são ninjas. Eles conseguem se tele-transportar facilmente

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  2. Acredite ou não, mas já os vi em Tramandaí também!

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  3. É sempre legal dar uma voltinha no passado, mas melhor ainda é voltar para o presente. ;)

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  4. guria,
    as vezes me perco em pensamentos. neles, a minha infância volta e lembro de cheiros, músicas e sabores que hoje não sinto, ouço e nem provo mais. tem coisa mais gostosa que pão feito em casa? tudo bem q amo o mac, mas troco um BicMac por um pão da vó.
    bjinho!

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